Apontamentos esporádicos de um trabalhador por conta de outrem

31 maio 2007

último dia

Ao aparecer no meu local de trabalho, longe do seu gabinete, lembrei-me que hoje fim do mês, era o seu último dia de trabalho, naquela firma.
Um cumprimento cordial, as felicitações adequadas.

A angústia, não de ver partir mas, de ficar.
Não fui programado para ficar.

A primeira vez que saí de uma empresa, quase chorava. Exagero. Fiquei triste, sentia-me injustiçado. Tinha começado ali a minha actividade profissional. Estágio, incluído. Gostava do que fazia. Tinha disponibilidade, fui aprendendo e progredido na organização.

Depois troquei, mais três vezes.
A segunda tinha um prazo definido, portanto, o último dia estava previsto. Fiquei indiferente, embora, ainda hoje não me importava de lá voltar.
O emprego seguinte foi um aborrecimento mental. Entediante, dia após dia, quando consegui trocar, senti-me tão feliz, que me dei ao trabalho de me despedir com beijos e abraços por todas as pessoas de cada departamento.

Já no seguinte fui despedido. Nesse dia, quando recebi essa informação, senti-me aliviado. Lembro-me da cara do fulano, sem grandes palavras, querendo amenizar a situação. Eu reconhecido por tudo, sentindo que quem se despedia era eu. Não o contrário. O homem aflito, devido à minha nóvel paternidade. Eu calmamente dizendo-lhe "já estive desse lado, sei o que está a passar e a pensar". E estive, mesmo.

Esse foi um dia de sofrimento. Terminava o prazo para a renovação do contrato de trabalho de várias colaboradoras. Havia redução de encomendas - carga horária, por isso, o natural seria reduzir pesssoal. É a regra do mercado de trabalho, para os empregos temporários. O meu chefe fez uns truques e passou o problema para o último dia. Queria ver se prescrevia o prazo e se era desnecessário reduzir pessoal. Era momentânea a quebra, dois meses depois, isso era confirmado. As directivas da administração, no entanto, eram essas e não havia grande solução. Airosamente os mais experientes deixaram a incubência para mim, novato. Tinha que transmitir o despedimento à pessoa atingida. Para mim, foi um drama. Todo eu tremia. O sorriso desapareceu-me da boca. Da minha e da moça. As lágrimas caíram-lhe pela cara abaixo. A infelicidade de estar no sítio errado e na hora errada, com o contrato com o prazo a terminar. Os indicadores individuais não pesaram. Tinha que ser...
Depois disso, seguiram-se outras e mais outras. Vamos ganhando experiência... Ainda sinto o tremor do primeiro dia, porém existe outra forma de encarar a situação, dizendo o mesmo, de modo diferente: "Não vamos renovar, no entanto, no futuro se precisar (...) ficamos com boa impressão...".

Da minha última despedida até hoje, já vi várias vezes a porta de saída. Nunca mais se abriu mas, um dia terá que ser.
Volto a insistir, apenas por defeito de programação. Não pensem que seja por outra causa, até porque trabalho motivado e tenho uma equipa determinada, embora paga um pouco acima do salário mínimo. Reconheço que o esforço para a motivação é enorme, com um discurso muitas vezes moralista e próximo de Sarkozy mas, a energia introduzida, o interesse pela organização do trabalho, de melhorias no processo ou no produto e fornecimento atempado do produto são contagiantes, sem dúvida.
Nos tempos agitados de hoje, até nos despedimentos existe alteração, agora são os trabalhadores que partem, seguem os familiares para o estrangeiro. Uma solução que apoio. O desgosto de os ver partir mantém-se.
Não por eles, por mim.

Por cá vou ficando, até quando?

Sem comentários: