Apontamentos esporádicos de um trabalhador por conta de outrem

04 junho 2007

resistência

As melhorias referidas em post anterior são sempre servidas com resistência.

Um dos primeiros trabalhos que fiz, introduzindo uma alteração no método de trabalho numa indústria tradicional consistiu em reduzir o número de movimentos do operador de um posto específico, retirando uma operação desnecessária naquele posto, pois repetiria-se e faria mais sentido a jusante em operação seguinte, no processo final do produto, sendo adequada apenas nesta fase.
A primeira reacção obtida "a quente" dos operadores foi de revolta. "30 anos daquela maneira", "sempre se trabalhou assim", "a arte aprendia desta forma", foram algumas das frases proferidas. Típico para quem trabalha em indústrias tradicionais, onde os técnicos são mal vistos.
Esta afirmação obriga a um pequeno parêntesis: algumas empresas indústriais desenvolveram-se sem técnicos. A metodologia de trabalho foi pensada ou adaptada normalmente pelo empregador (patrão) - por visionamento noutra empresa, por informação fornecida pelos vendedores e instaladores dos equipamentos, ou por um agente deste (encarregado), com o contributo do empregado (funcionário, ou colaborador). A racionalização do trabalho, o questionar do método utilizado, a proposta de alteração acompanhada pelo controlo de tempo e a demonstração de melhorias no processo são vistas como uma heresia.
Voltando ao caso concreto da alteração da arte. A provocação para os decanos daquela operação, todos homens foi o retirar uma operação que obrigava a um esforço fisíco em condições adversas - puxar um têxtil, em todo o seu perímetro de mais de 1 metro e meio, saído de uma tina com água próxima dos 90º. Ora, existia ali resistência de macho. Imaginem mãos calejadas por anos daquele trabalho e aparecer um tipo (se calhar, engravatado) com um sorriso na cara, dizendo "vamos passar a trabalhar assim e assim e esta operação passa a ser desnecessária, porque a seguir é repetida e na outra secção é que tem de ficar bem feita". Lembro-me de uma faca junto ao ombro, sem qualquer agressividade, claro. Intimidatória apenas. A faca subia e descia e eu só de soslaio via a lâmina no ombro. Vencida a resistência, com a devida colaboração do encarregado, que se prontificou a liderar a execução da alteração, tratando de efectuar a operação em causa e providenciar a seguinte, verificando o resultado. Satisfatório, operação eliminada.
Reacção nos dias seguintes: "era tempo de acabar com aquilo, já não podia mais do corpo, a puxar assim obra".


Esta alteração do estado de espírito daqueles colaboradores demonstrou como deve ser o caminho na mudança, explicar os ganhos em termos de esforço físico ao operador. Todas as melhorias introduzidas que retirem cansaço aos operadores são bem vindas, obrigado.
As melhorias que impliquem a criação de postos de trabalho, são muito bem aceites. Mesmo significando que aos actuais funcionários seja aumentado o ritmo de trabalho, tudo isso é tolerado. Pois a melhoria, dará uma hierarquia do antes e depois. Sujeitando-se os novos colaboradores a ouvir dos colegas, recados sobre a sua forma de trabalhar. Apesar do método ser novo, a empresa, o produto e o restante processo já são conhecidos e isto é um trunfo importante.
As reais resistências começam quando sucede o contrário: eliminação de postos de trabalho e introdução de pessoal qualificado para trabalhar com um determinado equipamento.

Para atenuar este estado de espiríto necessário entalar os encarregados, ou outros instalados. A mudança tem que passar por eles. Têm que se sentir parte integrante do processo. A demonstração dos resultados, a redução do tempo de produção, a melhoria da qualidade do produto têm que ser evidentes. Aquela frase "assim o patrão chateia-lhe menos a cabeça", é sempre bem recebida. É claro que se o recrutamento dos qualificados passar por o sobrinho, o vizinho, o filho ou a filha da prima, que acabou o 12º ano e não tem emprego, melhor.

O método menos eficaz que me foi reportado até hoje é o do patrão: berro, pontapé, quero, acontece e ai de quem diga "não presta"; mais uns palavrões, eu vi a funcionar, seus burros e outras frases do género não se recomendam, pois hoje já ninguém trabalha assim.

Todas estas resistências são explicadas pela aversão à mudança, ao medo e à "vergonha" do desemprego. Sobretudo, nos meios de produção em ambiente fabris. O que não se compreende é a resistência desencadeada por pessoas sentadas em secretárias, dos mais variados serviços, à ideia de melhoria.
Mesmo quando essa oportunidade tem ganhos para a empresa e passa exclusivamente por alterações a desencadear por elementos externos, os chamados fornecedores.
Tudo está bem, quando acaba bem - diria o professor Tournesol, ou Girassol.

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