happy house

Apontamentos esporádicos de um trabalhador por conta de outrem

08 junho 2007

Pressa

Existem palavras mágicas na produção, uma delas é a "pressa".
Um atraso provocado por um qualquer factor, só tem uma resposta, resolver. Só tem um tempo de resposta, já. Vulgarmente a isto chama-se a pressa.
- É uma pressa? - perguntam-me.
Claro, temos que enviar hoje para o cliente - é a resposta.
O que falhou? Quem falhou? Quando se falhou? Onde se falhou? Para quem vai-se esforçar por resolver este novo problema, não interessa.
O lema é: hoje foi um, amanhã posso ser eu. O espiríto de equipa para os imprevistos é importante.
Por vezes trata-se de uma antecipação de uma encomenda. Um pedido extra de um cliente especial. Tudo é encarado da mesma forma, tem que ir hoje! Desde que a proporção seja adequada à capacidade. Estando isso salvaguardado por quem transmite as faltas, o assunto ganha o contorno de "desenrascar" o cliente.
Nisso somos bons, os portugueses. Na forma desorganizada de trabalhar, na generosidade com que encaramos a pressa. A vontade de conseguir os impossíveis, de demonstrar que mesmo em cima do limite, também se consegue entregar artigo aos clientes.

Devemos posteriormente à entrega, analisar a causa. Se for mesmo um pedido tardio e com isso, a satisfação do cliente foi atingida, não existe análise alguma.
Quando a falha é interna, é necessário criar mecanismos de prevenção.
Erros sistemáticos de alguém, ou de um processo são inadmissíveis.
Erros pontuais, ou causas factuais são extremamente difíceis de detectar.
Exige uma atenção ao sistema de informação desenvolvido:
1- Apuramento da origem da falha, verificação de lançamentos a produção, da documentação criada versus original do cliente.
2 - Outro elemento pertubador é o controlo numérico efectuado por um operador. Peças a menos como resultado final, numa das operações a montante, com 2º controlo apenas no final do processo, obrigam a um esforço suplementar desnecessário, por vezes obrigando a set-ups de máquinas e ferramentas desnecessários.

O factor pode ser exógeno, derivado de um atraso inesperado por um determinado fornecedor. Matérias primas recepcionadas nas vésperas (ou no próprio dia) da carga, em produções com grande diversidade de componentes para o mesmo artigo final, implicam uma "corrida" fora do normal. Nestes casos, a "pressa" não é bem encarada. Apesar do compromisso dos aprovisionamentos, da presença do responsável pelo departamento na recepção, o esforço seguinte não é bem encarado.
Assim, como quando o erro é no processamento de encomendas e transmissão dos dados ao departamento de produção. É complicado tornear o problema. Sendo da cadeia de valor interna da empresa, assume-se como um factor externo. A falha por mais pequena que seja fica enorme, inadmissível e a "pressa" demora a arrancar. Se se falhar paciência - fizemos o melhor.

O espírito de equipa também já não é o mesmo, em situações de atrasos. Se numa determinada operação, ou máquina, ou linha, surge atraso incompreensivelmente e por causa disso se desenvolve um processo de caótico de entrega, o egoísmo, ou o realismo sobrepõe-se a tudo.

Isso é matéria para outra dissertação.

06 junho 2007

Agentes de mudança

Os operadores quando verificam o seu benefício em virtude da projectada mudança, envolvem-se de tal forma, descobrindo soluções, ferramentas esquecidas, como que implorando para que a melhoria não fique esquecida e seja implementada.
Se questionámos ou temos dúvidas sobre a proposta apresentada, logo as desfazem, apresentando eles próprios argumentos para solucionar a nossa descrença.
É curiosa esta atitude, contrária à habitual resistência.

Esta atitude é usualmente tida em conta na avaliação de desempenho. Procura-se premiar quem foi activo, interessado, disponível e quem colaborou na introdução de melhorias.
Esquecemos muitas vezes o importante, a iniciativa.
É raro, uma ideia de melhoria partir do operador. Raro não significa que nunca contribua. Dificilmente o faz.
Se analisarmos os sistemas de sugestões das empresas, à caixinha das mesmas chega a maior parte das vezes apenas reclamações. Se considerarmos em valores percentuais, 99% das sugestões apresentadas são reclamações.
O 1% por cento, a raridade, pode ser considerado um achado.

Em geral, o operador não sugere melhorias, participa nelas é certo mas, não parte dele a ideia de melhorar. Reclamações, sim senhor. Contra argumentámos, solicitando as suas ideias para contribuir para acabar com os problemas ocorridos e aí é mais difícil. Mesmo dando um tempo para análise. Entretanto, o tempo trouxe outros problemas e os anteriores foram superados de alguma forma, até surgirem de novo.
É pena.
O colaborador duma empresa podia preocupar-se com assuntos mais relevantes. Além do posto, da máquina, da limpeza em período definido, das condições de trabalho, do pagamento dos salários atempadamente, do número de horas descontadas, da possibilidade de fazer horas extraordinárias, podia discutir ou falar com os colegas sobre algo mais importante do que: os erros dos árbitros de futebol durante o fim de semana, os resultados e a classificação dos clubes de divisões inferiores, os problemas conjugais dos colegas, os arranjos, esquemas e namoricos de outros, as roupas da colega, o penteado, os sapatos e outras banalidades, como o físico de quem passa.

No meio disto tudo, reclamam quando algo não está bem. Entretanto trabalham. Bem orientados, são extremamente produtivos.
Agora raramente apresentam uma ideia de melhoria ou possível solução sobre:
a) o meio onde estão inseridos,
b) as máquinas com que trabalham,
c) o método de trabalho,
d) o artigo,
e) a matéria prima, etc.

O que sempre acontece é que existe sempre um ou uma iluminada - o tal que representa o 1%. Por se destacar dos outros tem sempre o destino traçado, a promoção, ou um posto de destaque relativamente aos companheiros.
É a segurança para os que pretendem implementar as mudanças, resolver dificuldades, alguém que está disposto a efectuar, a testar, a pensar, a introduzir melhorias.
O importante é verificar quem são esses agentes de mudança, ou pelo menos, procurar encontrar vários e promover esse espiríto nos restantes colaboradores.

Foi por isso, que acrescentei mais umas linhas ao blog.

04 junho 2007

resistência

As melhorias referidas em post anterior são sempre servidas com resistência.

Um dos primeiros trabalhos que fiz, introduzindo uma alteração no método de trabalho numa indústria tradicional consistiu em reduzir o número de movimentos do operador de um posto específico, retirando uma operação desnecessária naquele posto, pois repetiria-se e faria mais sentido a jusante em operação seguinte, no processo final do produto, sendo adequada apenas nesta fase.
A primeira reacção obtida "a quente" dos operadores foi de revolta. "30 anos daquela maneira", "sempre se trabalhou assim", "a arte aprendia desta forma", foram algumas das frases proferidas. Típico para quem trabalha em indústrias tradicionais, onde os técnicos são mal vistos.
Esta afirmação obriga a um pequeno parêntesis: algumas empresas indústriais desenvolveram-se sem técnicos. A metodologia de trabalho foi pensada ou adaptada normalmente pelo empregador (patrão) - por visionamento noutra empresa, por informação fornecida pelos vendedores e instaladores dos equipamentos, ou por um agente deste (encarregado), com o contributo do empregado (funcionário, ou colaborador). A racionalização do trabalho, o questionar do método utilizado, a proposta de alteração acompanhada pelo controlo de tempo e a demonstração de melhorias no processo são vistas como uma heresia.
Voltando ao caso concreto da alteração da arte. A provocação para os decanos daquela operação, todos homens foi o retirar uma operação que obrigava a um esforço fisíco em condições adversas - puxar um têxtil, em todo o seu perímetro de mais de 1 metro e meio, saído de uma tina com água próxima dos 90º. Ora, existia ali resistência de macho. Imaginem mãos calejadas por anos daquele trabalho e aparecer um tipo (se calhar, engravatado) com um sorriso na cara, dizendo "vamos passar a trabalhar assim e assim e esta operação passa a ser desnecessária, porque a seguir é repetida e na outra secção é que tem de ficar bem feita". Lembro-me de uma faca junto ao ombro, sem qualquer agressividade, claro. Intimidatória apenas. A faca subia e descia e eu só de soslaio via a lâmina no ombro. Vencida a resistência, com a devida colaboração do encarregado, que se prontificou a liderar a execução da alteração, tratando de efectuar a operação em causa e providenciar a seguinte, verificando o resultado. Satisfatório, operação eliminada.
Reacção nos dias seguintes: "era tempo de acabar com aquilo, já não podia mais do corpo, a puxar assim obra".


Esta alteração do estado de espírito daqueles colaboradores demonstrou como deve ser o caminho na mudança, explicar os ganhos em termos de esforço físico ao operador. Todas as melhorias introduzidas que retirem cansaço aos operadores são bem vindas, obrigado.
As melhorias que impliquem a criação de postos de trabalho, são muito bem aceites. Mesmo significando que aos actuais funcionários seja aumentado o ritmo de trabalho, tudo isso é tolerado. Pois a melhoria, dará uma hierarquia do antes e depois. Sujeitando-se os novos colaboradores a ouvir dos colegas, recados sobre a sua forma de trabalhar. Apesar do método ser novo, a empresa, o produto e o restante processo já são conhecidos e isto é um trunfo importante.
As reais resistências começam quando sucede o contrário: eliminação de postos de trabalho e introdução de pessoal qualificado para trabalhar com um determinado equipamento.

Para atenuar este estado de espiríto necessário entalar os encarregados, ou outros instalados. A mudança tem que passar por eles. Têm que se sentir parte integrante do processo. A demonstração dos resultados, a redução do tempo de produção, a melhoria da qualidade do produto têm que ser evidentes. Aquela frase "assim o patrão chateia-lhe menos a cabeça", é sempre bem recebida. É claro que se o recrutamento dos qualificados passar por o sobrinho, o vizinho, o filho ou a filha da prima, que acabou o 12º ano e não tem emprego, melhor.

O método menos eficaz que me foi reportado até hoje é o do patrão: berro, pontapé, quero, acontece e ai de quem diga "não presta"; mais uns palavrões, eu vi a funcionar, seus burros e outras frases do género não se recomendam, pois hoje já ninguém trabalha assim.

Todas estas resistências são explicadas pela aversão à mudança, ao medo e à "vergonha" do desemprego. Sobretudo, nos meios de produção em ambiente fabris. O que não se compreende é a resistência desencadeada por pessoas sentadas em secretárias, dos mais variados serviços, à ideia de melhoria.
Mesmo quando essa oportunidade tem ganhos para a empresa e passa exclusivamente por alterações a desencadear por elementos externos, os chamados fornecedores.
Tudo está bem, quando acaba bem - diria o professor Tournesol, ou Girassol.

02 junho 2007

melhorias

Lembro-me de em estudante passar horas, horas, ou talvez dias de volta de uma matéria, disciplina ou cadeira - módulo mais modernamente - sem perceber nada do que estudava.
Por vezes, ao fim desse tempo via "luz" e passava a perceber o suficiente para vencer o obstáculo do exame. Os problemas tornavam-se simples e até corava por não ter percebido mais cedo, o que se passava.
No mundo profissional ainda me acontece o mesmo. Não nos pequenos ou grandes imprevistos, contratempos ou problemas diários. Refiro-me concretamente a acções de melhoria. Acções que visam reduzir tempos de produção, melhorar a organização da pro dução, do serviço, ou até o processo produtivo, entre outras de carácter burocrático. A pró - actividade do sec. XXI.
A identificação desses pontos de melhoria não é difícil, por vezes, o que se torna complicado é encontrar a solução eficaz. É evidente que existe metodologia para resolução dos problemas, baseado em gráficos e outras formas de representação, entre outra soluções.
Normalmente, o assunto resolve-se com investimentos, avultados ou não, onde ao seu custo associado se contrapõe o ganho obtido e o número de meses para obter retorno desse investimento.
Esta é a solução mais fácil, ficando a parte complicada em convercer a administração. Tudo se torna simples e é usual, se a administração está disposta a seguir a sugestão.
Os problemas começam quando o ganho é pequeno e o meio, máquina, equipamento é demasiado caro, atirando por isso a melhoria para as calendas.
Ficamos na mesma com o problema. Meses, anos, às vezes. Tudo isso fica esquecido, quando identificamos a solução... só que esta é cara de mais. Passa-se a viver com o tal contratempo, afectando recursos desnecessários.
Um dia um acontecimento qualquer (normalmente um atraso na produção, ou um acidente de trabalho) leva-nos de novo ao assunto. O quotidiano e as tarefas repetitivas são interrompidas pelo pensamento e a oportunidade de melhoria.
Lembro-me da história do ovo de Colombo.
Encontramos a real solução para o problema, que esteve sempre ali desde a primeira hora, normalmente com um aspecto simples, económico e perguntamos: como foi possível não pensar nisto mais cedo?
Ficamos contentes por evitar investimentos de 10.000 ou 5.000, ou até 1.000 ou 500 contos, com soluções de menos de 20 contos, onde o ganho vai ser obtido de imediato e claro, implementada e validada a respectiva acção de melhoria, sentimos um conforto agradável, contudo, alguém nos recorda que entretanto a empresa desperdiçou recursos até ser encontrada essa solução.
Simplesmente passamos no exame...

31 maio 2007

último dia

Ao aparecer no meu local de trabalho, longe do seu gabinete, lembrei-me que hoje fim do mês, era o seu último dia de trabalho, naquela firma.
Um cumprimento cordial, as felicitações adequadas.

A angústia, não de ver partir mas, de ficar.
Não fui programado para ficar.

A primeira vez que saí de uma empresa, quase chorava. Exagero. Fiquei triste, sentia-me injustiçado. Tinha começado ali a minha actividade profissional. Estágio, incluído. Gostava do que fazia. Tinha disponibilidade, fui aprendendo e progredido na organização.

Depois troquei, mais três vezes.
A segunda tinha um prazo definido, portanto, o último dia estava previsto. Fiquei indiferente, embora, ainda hoje não me importava de lá voltar.
O emprego seguinte foi um aborrecimento mental. Entediante, dia após dia, quando consegui trocar, senti-me tão feliz, que me dei ao trabalho de me despedir com beijos e abraços por todas as pessoas de cada departamento.

Já no seguinte fui despedido. Nesse dia, quando recebi essa informação, senti-me aliviado. Lembro-me da cara do fulano, sem grandes palavras, querendo amenizar a situação. Eu reconhecido por tudo, sentindo que quem se despedia era eu. Não o contrário. O homem aflito, devido à minha nóvel paternidade. Eu calmamente dizendo-lhe "já estive desse lado, sei o que está a passar e a pensar". E estive, mesmo.

Esse foi um dia de sofrimento. Terminava o prazo para a renovação do contrato de trabalho de várias colaboradoras. Havia redução de encomendas - carga horária, por isso, o natural seria reduzir pesssoal. É a regra do mercado de trabalho, para os empregos temporários. O meu chefe fez uns truques e passou o problema para o último dia. Queria ver se prescrevia o prazo e se era desnecessário reduzir pessoal. Era momentânea a quebra, dois meses depois, isso era confirmado. As directivas da administração, no entanto, eram essas e não havia grande solução. Airosamente os mais experientes deixaram a incubência para mim, novato. Tinha que transmitir o despedimento à pessoa atingida. Para mim, foi um drama. Todo eu tremia. O sorriso desapareceu-me da boca. Da minha e da moça. As lágrimas caíram-lhe pela cara abaixo. A infelicidade de estar no sítio errado e na hora errada, com o contrato com o prazo a terminar. Os indicadores individuais não pesaram. Tinha que ser...
Depois disso, seguiram-se outras e mais outras. Vamos ganhando experiência... Ainda sinto o tremor do primeiro dia, porém existe outra forma de encarar a situação, dizendo o mesmo, de modo diferente: "Não vamos renovar, no entanto, no futuro se precisar (...) ficamos com boa impressão...".

Da minha última despedida até hoje, já vi várias vezes a porta de saída. Nunca mais se abriu mas, um dia terá que ser.
Volto a insistir, apenas por defeito de programação. Não pensem que seja por outra causa, até porque trabalho motivado e tenho uma equipa determinada, embora paga um pouco acima do salário mínimo. Reconheço que o esforço para a motivação é enorme, com um discurso muitas vezes moralista e próximo de Sarkozy mas, a energia introduzida, o interesse pela organização do trabalho, de melhorias no processo ou no produto e fornecimento atempado do produto são contagiantes, sem dúvida.
Nos tempos agitados de hoje, até nos despedimentos existe alteração, agora são os trabalhadores que partem, seguem os familiares para o estrangeiro. Uma solução que apoio. O desgosto de os ver partir mantém-se.
Não por eles, por mim.

Por cá vou ficando, até quando?